A propósito da convocatória para uma manifestação geral de desagrado, que recebi hoje no meu email, como coisa que se espalha de forma digital que nem vírus.
Camaradas, não me deserdem nem me atirem pedras na rua, que este comentário não é uma reacção às motivações do tal repto, mas sim à sua forma e conteúdo. Ora, não me interpretam mal, fica para outro dia, hoje não, não vou comentar aqui as circunstâncias politicas subjacentes, nem as dificuldades sociais e as injustiças do povo. Mas tenho de fazer um alerta ao autor do texto, antes que o email seja reencaminhado um milhão de vezes e depois já não seja possível retratar a coisa.
Meus amigos, camaradas e tal, tenham lá calma com o entusiasmo das Primaveras Árabes. Acho que a CNN anda a toldar o juízo tão agradavelmente moderado deste país ameno.
A minha apreciação tem duas vertentes, uma é arquitectónica e a outra é de amante de palavreado bem escrito em respeito a Camões e a António Aleixo. Portanto:
Caro revolucionário desconhecido e autor do texto,
Antes de mais deixe-me dizer que simpatizo com a causa e estou do lado legitimo dos que se querem manifestar pelo periclitante estado das coisas. Mas a ver se faz o repto com correcção gramatical, realismo e honestidade dimensional.
1 / Aqui entre nós, e vou dizer baixinho para mais ninguém me ouvir a corrigi-lo, chulice não se escreve com dois "esses", que regabofe, pagode e outras expressões similares não são adequadas a um discurso sério. Que num discurso sério não deveriam existir referências a digestivos, patifes, biltres, papalvos, amantes ou os filhos das mesmas. É coisa que tira credibilidade.
Se o destinatário é o povo, não o deve minimizar ao utilizar linguagem vernácula por pensar que é isso apenas que ele percebe, mas também não será de bom tom utilizar termos de recurso a dicionário, que impliquem uma sobre-elevação do autor, tais como e passo a citar: opíparos, apaniguados ou locupletar.
2 / Não me parece bem, claro que é a minha opinião pessoal, que uma manifestação tenha como mote a "demissão de toda a classe politica". Assim de repente, num relance vago, isto apenas sugere que pensa entregar o país aos espanhóis no final da manifestação. Espero que saiba que, por muito que não goste dela, é necessária uma "classe política" para governar isto em condições, independentemente da ideologia ou cor. Aliás, acho que foi para isso que a sua geração se manifestou aqui há uns anos atrás, por altura de um 25 de Abril. Acho que o objectivo era mesmo termos um sistema democrático. Saiba que protestar só porque sim, para purgar amarguras, para dar uns gritos, sem um bom objectivo ou por uma causa absurda, normalmente não dá bons resultados.
3 / Quando decide um lugar para uma "manif", por favor seja específico, porque Avenidas da Liberdade é o que não falta pelo país fora. Também penso que seria de bom tom marcar uma hora, senão a malta tem desculpa para não aparecer ou para chegar atrasado. Acho que de manhãzinha cedo não dá jeito. Deveria ser mais tarde para possibilitar tempo de viagem às centenas de excursões de autocarros cheios de manifestantes a marchar para, presumo, Lisboa. Aconselho uma hora assim mais logo a seguir ao almoço, para o pessoal já estar animado e com o sangue quente.
4 / Outra coisinha, agora acerca das megalomanias: A "manif" convoca 1 milhão de portugueses para a Av. da Liberdade. Presumindo que se refere a Lisboa, que é capital e tal, fique a saber que, assim por alto, a avenida tem 115.000 m2. Sabendo também que cabem duas pessoas por metro quadrado, contas assim já pró apertadinhas sem dar espaço para marchar, nem para grandes cartazes ou bandeiras, é facil concluir que vai ficar desiludido quando perceber que as expectativas são um bocado irrealistas.
Eu faço as contas, explico-lhe qual é a sua melhor hipótese para depois não ficar triste:
115.000m2 x 2 pessoas por m2 = 230.000 portugueses na Avenida. E olhe que até nem é mau.
Não o quero desanimar, mas somos um país pequeno e 1 milhão de pessoas representa 10% da população. Ora pense lá se 10% de todos os portugueses cabem na Av. da Liberdade? Compare com um centro comercial dos grandes ou com um estádio por exemplo, que é onde se costumam ver mais portugueses juntos.
Aqui que ninguém nos ouve, tente não levar irrealismo utópico mal informado, até para as manifestações que o tentam combater.
Boa sorte para a dita,
Com os melhores cumprimentos,
Francisco Ré
(uma ideia, se calhar o melhor é levar a coisa para o Magreb. Assim podia ter mais apoiantes motivados e espaço para marchar, que por lá, por estes dias, espaço e manifestantes é coisa que não falta. Assim até ficava mais simpático por cá para quem quiser trabalhar a sério nesse dia.
Pense nisso. Até combino consigo e com os outros que queira trazer, às portas do Magreb, esquina da esquerda vindo de quem entra, no dia 12 de Março, pelas 15h, com uma cervejinha na mão e uma bandeira enrolada em volta da testa. Vá ver se eu lá estou).
Comentários
Tomei a liberdade de partilhar o link do my walkie-talkie no "livro das caras"...
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assim alinho nessa manif .
já recebi vários emails desses e apaguei-os.
concordo completamente com o que dizes.
é bom ver amigos a saber distinguir as coisas, infelizmente a maior parte passa a mensagem e nem tem sentido crítico...
Escreves bem puto ;-) beijo e já sabes ...tou lá à hora que marcaste;-)
Continua a 'bloggar', porque este 'sitiozinho' descoberto hoje é fenomenal.
- Dee