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LOG ENTRY: ESCUTEIROS

Entre muitas coisas esta é uma delas.

Não me interpretem mal, não tenho nada contra. Pessoalmente nada. Nunca me atiraram pedras, bíblias, guitarras ou ofensas verbais. Nada, mas mesmo nada, que se lhes pegue em termos morais. Perfeitinhos que até chateia. Tenho mesmo de admitir, a honestidade intelectual a tal me obriga, que lhes agradeço a mediana sapiência que possuo em fazer nós esquisitos, que não dão jeito nenhum no dia-a-dia, mas que servem para impressionar quando raramente vem a propósito.

Portanto, após ponderada e meditativa introspecção, posso apenas concluir que o que move estas palavras poderá ser tão-somente pura maldade. Essa que talvez se esconda no meu ser imperfeito. É possível, não sou escuteiro.

Se Deus castiga como dizem, e se não tiver mais nada que fazer, então irá certamente castigar-me por este texto. Acho que esta borbulha que me apareceu na testa já é obra Dele. Mas arrisco, destemido, a continuar.

Não compreendo e já tentei. Não muito porque dá mais gozo este lado sujo do escárnio e maldizer. Lá está, deve ser a maldade. E por falar em maldade, que maldade terão feito eles para serem sujeitos à coisa má de usarem aquelas meias e calções? Nem ao diabo lembra. Se o diabo os tivesse de castigar concerteza não teria a divina epifania de crueldade tão perfeitamente hedionda.

Certa vez atravessava eu o Adriático, tinha dormido debaixo duma mesa do restaurante do ferry durante uma noite de tempestade, acordava mal amanhado para a manhã e dirigia-me ao bar exterior com desejos de um pequeno-almoço descansado e embalado pela brisa. Azar meu que lá se encontrava um grupo de incontáveis fiéis, que não tinham dormido e mantinham uns invejáveis sorrisos frescos no rosto a espelhar insuspeita saúde matinal. Enquanto no resto do barco todo o pessoal já tinha virado o jantar. Nesse momento aos meus olhos de sono eles pareciam encarnações do demónio. Convenhamos que, ajudem-me agora nisto, não tinham dormido para rezar e cantar, empunhando guitarras desafinadas e gargantas roucas, um reportório infindável como o infinito do seu Deus, de cançoneteria religiosa musicalmente bacoca. Contudo feliz. Melodias tão felizes, tão sorridentemente infantis, tão esclarecidamente inocentes, tão redondamente joviais que me deixaram, ali como em todas as vezes antes, num estado de depressão latente. Cantavam em inglês, espanhol e maioritariamente em italiano. Uma berraria sem paralelo.

Não percebo. A sério. Os putos imberbes ainda vá. Ainda não sabem, ainda não têm de se preocupar com impressionar as miúdas. Nem as miúdas os miúdos. Acredito que para esses ainda há a esperança de se deixarem de tretas e acordarem a tempo durante a adolescência para tudo o que é fútil e tentador.

Ou então estou muito enganado e, se me quiserem convencer, digam-me que é tudo uma fantochada para mascarar uma boa oportunidade de conhecer miúdas, que é uma boa desculpa para dar aos pais enquanto se arranja maneira de perder os três, que nas tendas elas são umas tolas impúdicas, que no mato é vê-los a trepar às árvores, que aquilo de se perderem durante dois dias na floresta é pra poderem fumar umas ganzas descansados e que aqueles laços dão jeito é na cama e em práticas sadomasoquistas que só escuteiro sabe. O resto da fatiota só pode ser para disfarçar.

Realmente o que me assusta mesmo são os graúdos, num leque diverso e incompreensível de idades. Fulanos trintões, e por aí fora, numa macacada destas. Mas a malta não tem mais que fazer que andar ai a cantarolar e a fazer nós, com uma farda que é no mínimo totó? Eu acho que a sociedade perdoa isto por uma questão de exposição visual prolongada. Habituação resultando em negligência. Admito que de quando em quando vê-se um e é giro. Para mim é sempre giro ver um badocha de calções safari, meias de lã pelo joelho, botas de montanha, cajado numa mão, bíblia na outra, camisa pastel de nata, uma corda ao pescoço e às tantas um chapéu ao estilo da guarda montada canadiana. Na cidade ou no campo. Faça chuva ou faça sol.

Tenham juízo. Acham em consciência que ainda têm idade para estas merdas? Da minha parte, eu que não tenho idade pra estas merdas mas sim pra outras bem piores, não tenho é paciência para vos aturar naquilo que poderia muito bem ser uma belíssima manhã no Adriático.

Aquelas coisas do voluntarismo, do altruísmo e de atravessar com velhinhas nas passadeiras até se percebe. Mas da farda ninguém me convence. Ora metam um par deles, assim vestidos, a distribuir panfletos e sorrisos no meio da Cova da Moura ou do bairro do Cerco a ver o que lhes acontece. Eu cá acho que, no mínimo, aquilo lhes retira credibilidade. E vendo a moda do ultimo século, também me parece que alguém sensato, ou com menos de cento e quarenta e sete anos, aprecie tal indumentária. Quem achar que aquilo está na moda que atire a primeira pedra. Bem, eu cá vou atirar na mesma só pela diversão.

(pronto, pronto, atiro uma das pequeninas. Deus me livre de os ter todos à perna de calções e cajado na mão).

Comentários

Ana disse…
O teu texto levou-me a pensar de onde vinha a vontade que tinha em, ser escuteira, como a Cláudia, ter aparelho fixo, como a Ana ou aos 12 anos querer fazer uma tatuagem de um golfinho, (super gira), como a Miriam. Estranho! E por isso, acho que não seria tolo pensar num guia para crianças, uma espécie de rival do livrinho da catequese, para aqueles que não têm a limitação do dedo apontado e dos risos estridentes dos irmãos mais velhos. E obviamente, icluir um suplemento: Escolhe bem os teus amigos.
Filipe disse…
Dou aqui a minha opinião como escuteiro e como pessoa. Inúmeras pessoas falam mal dos escuteiros. Mas quantas dessas pessoas estiveram no movimento? Para nós (escuteiros), usar a farda e um orgulho. Tal como tu inúmeras pessoas falam mal da nossa farda. Mas não leio/oiço falarem mal das fardas das escolas/trabalhos. Os dirigentes (designados no post como trintões) são pessoas que passam a maior parte do seu tempo livre a preparar actividades para os filhos dos outros. Nem os mais novos nem os dirigentes são pagos para la estar, alias, paga-mos para lá andar, pagamos para todas as actividades. Enfim. Fico-me por aqui. Experimentem antes de falar mal
Captain Ré disse…
Caro Escuteiro Filipe,

Antes de mais, agradeço o seu comentário e opinião, que muito prezo e respeito. Muito me apraz a sua visita a este humilde blog, não podendo deixar de me intrigar sobre como chegou até aqui, arriscando a deduzir que poderá ter usado técnicas de orientação e navegação de escuteiro, desconhecidas de um comum mortal como eu. Ninguém costuma passar por estes lados e isto aqui, como reparou, é um bocado selvagem.
No entanto, sinto-me na obrigação de o esclarecer em relação a alguns pontos que passo a enumerar:

1 / Apesar de este ser um cantinho assumidamente informal, venho por este meio pedir-lhe que não se dirija a mim na primeira pessoa. Sou alguém que não conhece e com quem, quero muito acreditar, nunca irá privar nem partilhar interesses e amizade.
Portanto dirijo-me a si por você, reflectindo a distância ideológica que claramente nos separa.

2 / Gostava mesmo que tivesse visto o texto com outros olhos. O documento em questão é coisa de humor e tal facto parece ter-lhe escapado. Gostaria que não tivesse ficado tão melindrado e que as minhas razões lhe pudessem ter feito pensar duas vezes sobre a sua condição de escuta. Sabe, para quem é escuta, o Filipe não ouve muito bem.

3 / Gostaria também que, se parece não gostar da minha opinião como eu honestamente gosto da sua, olhasse para o lado e seguisse caminho, de cajado em punho e meias pelo joelho, mato adentro. Até porque a sua opinião, me alegra tanto que não posso deixar de a rebater, novamente com sarcasmo, ironia e malvadez vil.

4 / Parece-me que o seu argumentário não é suficientemente arguto e firme na defesa da sua opinião, dando-me razões para prosseguir calmamente num registo de escárnio maldizente. Que me leva à conclusão de que, salientando o respeito pela sua opinião, mais valia estar caladinho.

5 / Deixou escapar um pequeno pormenor reafirmado veementemente mais do que uma vez ao longo do texto: escrevi-o consciente que sou um ser imperfeito e que padece temporária e assumidamente de malvadez nata. Quero também informa-lo que o mundo não é assim todo bonitinho, que os outros nem sempre estarão de acordo consigo e que existem mais pessoas como eu, de carácter irascível, por esses matos fora.

5 / Não sei se a sua intenção era pedagógica. Se sim, então espero que não seja este tipo de pedagogia que usa para ensinar os filhos dos outros.

6 / Uma coisa que o Filipe argumenta, para me tentar convencer das beneméritas benfeitorias dos escuteiros trintões, é que paga para andar metido nisso. Depois do que eu escrevi, o Filipe acha que isso é argumento? É que me parece que me está a dar lenha para a fogueira. Mas então, os Badochas trintões ainda por cima pagam para andar a fazer essas figuras? Compreende que se soubesse isso de antemão teria pano para mangas e para mais dois parágrafos...

7 / Esclareço-o também que aqui não se "fala mal". Não deve ter reparado, mas aqui dá-se importância ao bom português, apesar de se dizer muita merda.

8 / Filipe, a parte de atirar pedras era mesmo a brincar. Não preciso por isso de o ter à perna.

9 / Arrisco a dizer-lhe tudo isto frontalmente, porque o Filipe é escuteiro e os escuteiros, seguindo os princípios bíblicos, não se exaltam nem andam por aí a molestar ninguém.

10/ Em relação às fardas, espero que continue por muito tempo a achar porreiro o seu uso e que o faça com orgulho, porque, ao contrário dos pré-adolescentes, já não vai a tempo de disfarçar o ridículo. Eu cá, escrevo orgulhosamente a nú.



P.S.:
Não sei se o Filipe possui internet na sua tenda, mas espero que leia isto com calma.

Despeço-me com os melhores cumprimentos possíveis.
Candidara ao desemprego/ escuteira/ menina do coro disse…
Depois de um belo almoço e de um "então não vejas o que escrevi no meu blog sobre os escuteiros", arrisquei-me a ler este belo artigo, e tenho a dizer que, como escuteira, passei a perceber melhor como os não-escuteiros nos (me) vêm.
A verdade é que em todo o meu meio envolvente sou "gozada" e por ser (ou ter sido, neste caso) escuteira. Mas quando sou alvo de tal gozo, atrevo-me a gozar também, e a entrar na onda.
Sim a nossa indumentária é bastante estranha e fora de moda, e muita gente achas que temos pom pons pendurados nas meias de lã pelos joelhos, mas apesar de feia, cada ponto deste uniforme tem o seu simbolismo, e por isso o usamos com tanto orgulho. Mas sim André, é muito feia ( e muitas vezes desconfortável, daí as meninas também terem deixado de usar as sais e optarem pelos calçoes para andar no meio do mato - mostrar cuequinhas nos escuteiros era muito imoral).

Mas também te digo que foi graças aos meus anos escutismo que aprendi a trocar de roupa no meio da rua sem que ninguem me visse uma ponta de pele, mas o mais importante de tudo é que enquanto estudante de arquitetura (e tu como arquiteto) nunca aprenderia a projetar/construir um "edificio" de oito metros de altura e três andares (mais rés-do-chão) sem um unico prego, mas sim só com tabuas e troncos de madeira e cordas, usando esses tais laços que aí mencionas (sim, é um desafio - alias, acho que quando for arquiteta vou investir neste conceito).

Experimenta, quando fores acampar com os teus miguitos, em vez de levares uma mesa e uns bancos de plástico, construir uma; e em vez de levares um mini frigorifico, faz tu um (sim eu sei fazer um frigorifico só com sarapilheira e uma travessa de aluminio).
Vais ver que é super hiper mega divertido!

Não olhes para nós como uns totós com um uniforme feio que cantam músicas religiosas e que adoramos a biblia, a maior parte de nos nunca a leu; olha para nos como uns totós que estamos a aprender arquitetura arcaica sem nos apercebermos.

Retiro-me assim com uma saudação escutista!

Sempre alerta!

P.S. geralmente não ajudamos velhinhas a atravessar a rua, so se elas pedirem muito.
Captain Ré disse…
isso de atingir-me no coração com a arquitectura foi malvado... =)

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