Diz-se que a esperança é a ultima a morrer. Agora sabe-se que a esperança morreu por estes dias. Deu na televisão antes de um jogo de futebol. Era já pouca, comedida, medida, porcionada e apenas utilizada por não haver alternativa, como uso de recurso. A esperança é o paliativo dos Portugueses.
Verdade seja dita que, por eterna e incontornável má fortuna, este povo dela e com ela sempre viveu. É uma espécie de valor idiossincrático, precioso e utilizado em permanência. Vidas em dependência permanente deste último recurso imaterial que, ao não alimentar, sossega o espírito. É curiosamente um tipo de esperança na qual não é possível acreditar verdadeiramente, mas tê-la é bem melhor do que não ter. É coisa que apazigua a dor mas que não cura a maleita. Desde sempre, ou pelo menos desde que me lembro e do que me contam, me pareceu uma espécie rara de esperança. Uma esperança sem esperança dentro, como uma matrioska ao contrário. A nossa é ela própria hipotecada pelas condições fatídicas de um destino, que não é aceite, mas com o qual se vai convivendo e andando. É o tem de ser, é o podia estar melhor, é o cá estamos, é o vai-se andando, é assim a vida... É o caraças! Não andamos aqui todos enroladinhos na pele como os salpicões. Os salpicões não possuem direitos e qualidades como o livre arbítrio, a vontade e a procura, para além da esperança.
Acho que é por esta coisa triste da esperança que povo português aguenta muita merda. A paciência incompreensível dos Portugueses para com quem lhes dirige os destinos dever-se-á quiça a esta esperança falsa, que é plantada como semente que cresce dentro de cada um, mediante o contexto generalizadamente desfavorável à nutrição de felicidade, favorável ao crescimento da crença vã num futuro melhor. Esta crença é passada de geração em geração sem que o paradigma se altere genuinamente. Aqui e ali há fogachos de oportunidades, consequentemente destruídas, que dão lugar a esta esperança.
Que bom seria que os portugueses não precisassem da esperança como forma permanente de condição de vida. Que bom seria dar uma coça no destino, trocar as voltas à coisa, dar um xuto na inevitabilidade, mandar à fava as dependências e viver de vez a puta da vida. Como fazem, de resto, aqueles que são felizes.
A esperança morreu mesmo por estes dias. Morreu por asfixia, por atropelamento, por susto, por envenenamento, por ferimento de bala. Foderam a esperança do povo e não lhe deram nada em troca. Agora ficou um vazio. Um insustentável e imenso vazio que o povo sente no peito e no prato. Se até agora lhe era possível disfarçar o vazio no peito e ir andando, agora torna-se-lhe impossível esconder tanto prato vazio.
Assim o povo não vai andando. Assim o povo tem fome. Assim o povo tem pouco a perder. Assim o povo não vai. Assim o povo racha...
O Português,
Francisco Salgado Ré
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bem haja, já me sinto menos só.
bem haja, já me sinto menos só.